Um suco de melão, por favor!

sábado, 24 de outubro de 2009 |

É preciso desconfiar sempre das amizades que nascem em mesa de bar.
É preciso desconfiar sempre das coisas esquecidas depois do porre.
É preciso desconfiar das glórias e vantagens ditas aos goles.
É preciso desconfiar por pura e simples desconfiança.
É preciso desconfiar da juras de amor alcoólicas.
É preciso desconfiar da alegria e da coragem.
É preciso desconfiar dos apertos de mão.
É preciso desconfiar do riso e do choro.
É preciso desconfiar da desconfiança.
Um suco de melão, por favor!

Como perdi o juízo

terça-feira, 20 de outubro de 2009 |

O relato a seguir mostra como fazer melodrama com a extração de um dente.

Na sala de espera

Chego meia hora antes do previsto. Escovo os dentes. Passo na recepção para confirmar minha chegada. Espero; e muito. A cirurgia marcada para as três horas só inicia as quatro. Atraso não justificado. Cochilo na cadeira. Tento fingir que não estou com sono, simulo estar assistindo a Sessão da Tarde. Acabo por prestar atenção. A mulher na minha frente berra ao telefone: “Está atrasado!”. O recepcionista ri. Da sala do dentista saem pessoas com caras não muito alegres. Com uma gaze na boca uma menina sai chorando. A auxiliar do dentista me chama.

Na sala do raio-X

A auxiliar coloca um colete de chumbo em meu tórax para proteger meus órgãos nobres da radiação. Vai para traz de uma proteção. Não entendo o motivo de ela estar mais protegida que eu. Liga a máquina que solta um som agudo. O dentista entra na sala e tira a chapa de minha boca. Tira o colete e me manda levantar. Enquanto caminhamos ele pergunta: “Preparado?”. Humor fora de hora.

Na sala do dentista

A sala dividida para dois dentistas. Separada apenas por uma pequena “parede” de madeira. Uma mulher loira, cabelo assanhado, necessitando retocar a raiz, fala compulsivamente: “Me desculpe doutor, estou muito nervosa. Está doendo muito. Da outra vez não foi assim. Me desculpe doutor”. Ótimo incentivo. Manda-me sentar. A cadeira é pequena e meus pés ficam de fora.

“Vamos lá?” pergunta o dentista. Não é preciso responder. Pega a seringa da anestesia e sai furando minha gengiva. “Essa parte é chata né? Daqui a pouco não vai sentir mais nada”. Sinto minha gengiva inchar. Pega o bisturi. Não sei o que faz, vejo apenas duas enormes cabeças que insistem em olha para minha boca: o dentista e a auxiliar, que segura o insuportável sugador.

Melodramático que sou deveria me chamar Luiz Miguel. Não gosto de dentistas, nem de médicos. São mesquinhos. Cortam e remendam sem a menor solenidade. Não poderia ao menos colocar um solo de violoncelo? Insolentes. Gracejam e conversam baboseiras. Acho que a anestesia me faz variar das idéias. Penso besteira. Penso em como é absurdo que abra minha boca pra dois estranhos. Penso como é absurdo que pedaços de mim parem no lixo. Penso na loira despenteada do outro lado da “parede”.

Distrai-me com os devaneios até que um estalo me faz voltar a realidade. Era o dentista que forçava o dente com o alicate. Meu maxilar dói. A língua está seca. O tubo metálico passeia pela boca através das mãos da auxiliar. Meu sangue indo para o esgoto. Um absurdo. Depois de muito trabalho o dentista extrai o dente. Para finalizar borda quatro pontos grosseiros. O dente? Uma coisa horrorosa. Um aborto. Leva-me de volta ao raio-x, é necessário saber se ficou algum pedaço. Tudo certo. Não senti nada. Na hora...

Recomendações: compressa com gelo (lembro que não enchi as cubas), sorvete, nada de esforço físico (acho que ele não anda de ônibus), e três medicamentos. Saio do consultório. Sinto que todos olham pra mim.

Na rua

Sinto minha cara inchada. Metade de minha boca não me pertence. O lábio inferior parece pesar meio quilo. Sinto-me um Zulu. É preciso achar uma farmácia. Ando olhando em todas as superfícies refletoras se meu rosto está normal. Tenho a impressão de estar andando de boca aberta. Encontro uma farmácia.

Na farmácia

Mal posso falar por causa da gaze que mordo para estancar o sangue. “Quero esses medicamentos”. A atendente procura, encontra dois. “Não tem mais Profenil Entérico não?”. “Vendi o último pela manhã”, responde a caixa. Algum infeliz foi mais rápido que eu. “Tem banheiro?”, pergunto. Sigo por um corredor escuro. Entro no banheiro. Tiro a gaze. Jogo no lixo. Lavo as mãos e saio. “Moça tem copo?”. Dirijo-me ao bebedouro, encho o copo e pego os comprimidos. Derrubo por três vezes seguidas papeis que carrego no chão. Não sinto a boca, tenho medo que a água escorra. “Tchau”. Pela rua divago com pensamentos pueris. Encontro outra farmácia.

-Moço tem esse remédio?

-Tenho esse e o genérico.

- O genérico.

Vou embora com horários para tomar a medicação. Pego o ônibus lotado. Desço no terminal. Subo em outro ônibus e vou para casa. Sempre com pensamentos descompensados. A anestesia passa. Uma dor cínica insiste em não passar. “As pessoas deveriam ser anestesiadas antes de morrer”, divago. Um buraco latejante. Febre. Bochecha inchada. Desde os onze anos não sei o que são bochechas. Tenho vontade de engordar. Não devo fazer esforços. Nem tomar sol. Nada quente. Se o siso indica juízo hoje tenho apenas metade. Devo esperar pacientemente por sete dias para retirar os pontos. Enquanto isso espero que minhas células não sejam tão egoísta quanto eu e se multipliquem rápido.

Sobre a artificialidade

domingo, 18 de outubro de 2009 |

"Seja o que for, seja original!". Dizia o comercial do Guaraná Antárctica. Mas que diabos é essa tal originalidade? Quase tudo é copia. A maioria não pensa; rouba idéias. Pensar tornou-se luxo. A própria universidade faz com que os alunos não pensem. Deve-se fazer apenas o que os autores dizem. Vê-se então um monte de babacas que compram tipos prontos: "Eu sou cartesiano", "aquele é capitalista com ascendente protestantes", "Morte ao capitalismo!", gritam outros enquanto tomam uma coca-cola gelada.

Tipos fáceis. Desses que se encontram em qualquer esquina. Tipos chatos. Com discursos de spray, basta apertar o botão e colocam para fora frases prontas. Há outros que dissimulam a artificialidade sob o manto de erudição: " O problema é que nessa pantomima em que vivemos há uma intangível luta de interesses. É preciso movimentar a massa. Salvemo-na mão dos religiosos. Levemos o povo a luz!". Esses são piores que os verdadeiros alienados.

Saudades dos tempos do Realismo. Boas lembranças do grande Machado. Recordações pulsantes do verme. Lírico anelídeo que me rói as carnes. Não sei de quais anjos era Augusto, mas é preciso acostumar-se a lama. Ter bastante catarro no peito para depois do beijo.

Sem fósforos e sem cigarros.

P. S. : Cansados dos tipos sofisticados, afetados, plastificados e politizados. Viva Elza!

Invencionismo

quarta-feira, 14 de outubro de 2009 |

"As portas que me perdoem, mas criatividade é fundamental".

Anúncio de casamento

quinta-feira, 8 de outubro de 2009 |

Não sou um inteiro que dorme;
só uma metade dormente.

Não necessita que seja aurora;
desde que seja poente.

Sobre a tristeza

domingo, 4 de outubro de 2009 |

Não entendo o motivo de não se pode falar sobre a tristeza. Pode-se falar de tudo. Das maiores barbaridades. Pode usar drogas, se prostituir, e até mesmo cobiçar a mulher alheia. Mas não se pode, em hipótese alguma, se falar sobre as dores diárias. Nem mesmo sobre as esporádicas.

Odeio o hedonismo. Sempre odiei. Abomino a fossa constante - outro extremo insuportável. Sou uma oscilação entre alegrias e tristezas. Estou de saco cheio das amizades de bar, das vidas de orkut e dos amores virtuais. Estou em uma fase analógica. Desejo o que é concreto e ambiciono o que é alcançável. Sinto-me feliz em fazer plano que ao acordar estarão desfeitos. Tenho prazer em receber pessoas em minha casa, desde que sinta algo por elas. Cansei das pessoas pelas quais não tenho admiração. As que muito admiro estão longe. Há alguns dos novos companheiros que têm sido bastante presentes, outros morrerão quando acabar com meu MSN.

Pode-se tudo. Menos ficar triste. Pode-se amontoar roupas para lavar, pratos na pia e rancores. Pode-se exercer a hipocrisia diária de cada dia. Mas não se pode falar na tristeza. Não se dança pelo prazer de dançar - apenas para mostrar aos outros que "não estou triste". Isso é um saco. Eu sou alegre e triste ao mesmo tempo. Antíteses não se separam.

Cansei do hedonismo de feriados. Quero apenas o que me pertence. Se é que algo me pertence. Quero também alguém que me domine. Cansei de pessoas pequenas, sempre as mesmas cara e os mesmos jeitos. Mas uma coisa que não consigo largar são as alegrias da infância e as piadas internas com os amigos. Ah! as piadas internas me fazem tão bem! Isso é tão egoísta. As piadas internas são tão excludentes. Mas que importa? Importa sim. Há pessoas muito interessantes para as quais nunca olhamos, mesmo que estejam ao nosso lado.

A tristeza não me cansa. Apesar de eu preferir a alegria. É necessário ter senso de humor mesmo que seja triste. Falta de senso de humor é um defeito inaceitável.

Eu sou feliz com minha infelicidade.